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Nordeste em Manchete
  • 25/03/2016 17h14

    ESPECIAL DE FIM DE SEMANA - Sem reflorestamentos nas nascentes e nos afluentes, é "caixão e vela" para o Velho Chico, diz Otto Alencar

    O senador da Bahia reclama que o governo federal não está atento ao problema e encontrou parceria com empresa privada para poder colocar em prática a implementação de "fábricas de florestas"
    Divulgação

    Otto Alencar defende que projeto de transposição iniciou onde deveria terminar, reflorestar em primeiro lugar

    (Brasília-DF, 26/03/2016) Os reflorestamentos nas nascentes e nos afluentes do rio São Francisco são as melhores alternativas para preservar a água e a qualidade de vida da população ribeirinha. “Sem reflorestamento da mata ciliar, é caixão e vela", para o "Velho Chico".

    Quem defende a ideia é o senador Otto Alencar (PSB-BA), autor de um projeto para o rio São Francisco que prevê a revitalização. Mas, infelizmente, segundo ele, não conta com o apoio do Governo Federal. Ele antevê um futuro tenebroso para o "Velho Chico."

    "Em dez anos, aplicando por ano R$ 600 milhões, o rio será revitalizado. Se não aplicar em dez anos, ele estará morto. É uma situação muito séria, muito complicada essa transposição. Espero em Deus, se Deus ajudar, resolverá”, concluiu.

    O senador é autor do Projeto de Lei do Senado 250/2013, sobre o reflorestamento das nascentes e afluentes do rio São Francisco. Para Otto Alencar, é um projeto que teria que ser encampado pelo Governo Federal. Porém, obteve apoio de uma prefeitura e uma empresa privada.  

    “Fábrica de floresta” no São Francisco

    O projeto prevê que em cada uma das cidades, próximas ao rio São Francisco, seriam criadas “fábricas de florestas”. Primeiramente, seriam produzidos viveiros para plantar as mudas das árvores, as mesmas que “nascem nas beiras das fontes e dos rios afluentes”, segundo ele.

    De acordo com Otto Alencar, a “fábrica de floresta”, seria construída em uma área de 10 hectares de terra, com a correção do solo, o plantio de mudas e utilização de irrigação por gotejamento.

    E, ainda, na mesma área, se construiria uma escola de educação ambiental. O objetivo é mostrar aos jovens a importância da preservação da natureza.

    “Eu vou começar a primeira, agora, em Bom Jesus da Lapa sem um real do Governo Federal ou Estadual. Com os recursos da prefeitura de Bom Jesus da Lapa e de uma empresa privada que me ajudou nisso, que é Coca-Cola. Eu não consegui dinheiro com o Governo Federal, mas consegui com a Coca-Cola. Vai ser a primeira fábrica de floresta na beira do rio São Francisco”, contou o parlamentar, animado.

    A cidade de Bom Jesus da Lapa, na Bahia, se localiza às margens do rio Corrente um dos principais afluentes do rio São Francisco em território baiano. “Daqui a dois anos, vou ter muda pronta para botar na beira do rio”, destacou Otto Alencar.

    Projeto da tansposição errou          

    Na opinião do parlamentar, a transposição do rio São Francisco é um projeto que “começou por onde deveria terminar”. O projeto inicial deveria contemplar a revitalização dos afluentes e da nascente do rio. “Quem é que produz água é a calha do rio? Não é a calha do rio. A calha do rio recebe água da nascente e de seus afluentes”, declarou o senador.

    A situação na bacia do rio São Francisco é “muito grave” na Bahia e em Minas Gerais. “Minas é a caixa d’água do São Francisco, porque 75% das águas são formadas em Minas. Quando ele entra na Bahia, em Carinhanha, já chega com 75% do volume de água já pronto. E recebe 25% de mais três rios, só na Bahia. É o rio Corrente, o rio Grande e o rio Carinhanha. Os outros são rios menores e eu acho que até morreram”, explica Otto Alencar.

    O parlamentar entende que a transposição deveria acontecer, isso é ponto pacífico. No entanto, ele insiste, a revitalização é essencial. Atualmente, não tem revitalização em nenhuma região da bacia do rio São Francisco.

    Afluentes pedem socorro

    Otto Alencar conta que o rio das Velhas e o Paraopeba, em Minas Gerais, são os dois mais caudalosos. Todos dois estão altamente comprometidos. “O rio das Velhas, por exemplo, recebe esgoto de Belo Horizonte e de todas as cidades próximas ao rio das Velhas, como Sabará e Rio Acima. No ano passado, um dos afluentes em Minas, na margem direita o rio Jequitaí secou pela primeira vez na história”, lamentou.

    O quadro, segundo o parlamentar da Bahia, é de uma gravidade tão grande e “a falta de interesse ainda maior em querer fazer a revitalização do rio São Francisco”. “Já foram investidos R$ 8,5 bilhões (pelo Governo Federal)  e na revitalização, praticamente, não se teve efeito nenhum”, disse o senador.

    Como fazer a revitalização

    O que é revitalizar uma nascente e um afluente de um rio importante? Otto Alencar responde que primeiro passo é fazer o tratamento de esgoto das cidades ribeirinhas  para que não sejam jogados esgoto e efluentes líquidos ou sólidos dentro das nascentes.

    Em segundo lugar, fazer o replantio das matas ciliares nas nascentes e nos afluentes. “Nunca foi feito um projeto dessa natureza. O homem destruiu essa natureza, cortou as árvores e com isso veio a erosão e o assoreamento de toda a calha do rio São Francisco e dos seus afluentes e na parte principal do rio”, lamentou o parlamentar.

    Otto Alencar lembra que em janeiro deste ano choveu 800 milímetros. Segundo ele, nunca choveu essa quantidade em janeiro. “Resultado, a barragem de Sobradinho, com essa água toda que caiu na bacia deveria estar em torno de 60%, está com cerca de 32%. Chegou metade da água na barragem, porque o rio está entupido e quando o rio está entupido a calha fica rasa. A tendência da água é se espalhar. Aí, formam-se os chamados ‘deltas artificiais’, enche lagoas, aquelas planícies, alaga tudo porque a calha do rio está entupida”, detalhou o senador.

    Mais uma vez, Otto Alencar cobra do Governo Federal porque não tomou providências para realizar a dragagem e o desassoreamento da calha do rio  São Francisco. “É um problema de uma gravidade que ninguém pode imaginar”, disse ele.

    “A minha preocupação é com as futuras gerações e com um investimento tão alto e que amanhã pode faltar água”, completou.

    O parlamentar da Bahia também lembrou que o homem é iminentemente predador. “Quem desmatou as margens do rio São Francisco?”, questionou Otto Alencar. “Não foi o trabalhador rural, não foi o vaqueiro. Quem desmatou foi o dono do vapor que fazia a hidrovia do São Francisco, de Pirapora a Juazeiro”, sublinhou.

    “Até canoa encalha”

    Naquela época, no tempo dos barcos a vapor, contou Otto Alencar, eles funcionavam à base de caldeira, alimentada por madeira. “Cortavam na beira do rio e a mata ciliar virou combustível. Então, aí, chegou um ponto em que eles tiveram prejuízo, porque o rio foi perdendo a profundidade do calado, ficando raso e o vapor não pode mais andar no São Francisco. Hoje, até canoa encalha”, ressaltou.

    Na visão de Otto Alencar, o tráfego hidroviário seria uma alternativa importante para o desenvolvimento do Nordeste. “Você poderia sair do oeste da Bahia com carga de soja para Juazeiro e voltar de lá com adubo para a região. A hidrovia é uma coisa muito mais barata, muito mais prática”, ressaltou.

    Uma outra vantagem da hidrovia, apontada por Otto Alencar, é que “água não estraga, asfalto estraga”. E, além disso, não tem a ferrovia. “Agora é que estão tentando fazer a ferrovia oeste-leste”, enfatizou.

    “Eu acredito que, hoje, nós temos uma crise econômica, uma crise importante, mas a crise hídrica em termos de preservação da raça humana no mundo, no Brasil e no meu estado também é superimportante. O consumo de água cresce, anualmente, o dobro que cresce a população. Antes era só água só para beber”, realçou o senador da Bahia.

    Mais consumo, menos produção

    De acordo com Otto Alencar, a água do rio São Francisco era só para beber. Hoje, é para consumo industrial, em alta escala, para irrigação e para a produção de energia. “Então, aumentou muito consumo e está diminuindo a produção”, acentuou.

    Por que está diminuindo a produção de água? “Porque quem produz é a nascente, o afluente e eles estão morrendo. Vai chegar um ponto que irá ter guerra por causa da água, eu não tenho a menor dúvida disso”, respondeu o parlamentar.

    Segundo Otto Alencar, o Brasil tem em torno de 13% de toda a água doce do planeta, mas o Nordeste só tem 2,5%.  “Nove estados, ter 2,5%, não chega a isso, 2%, 2 e pouco é pouco. O estado da Paraíba, por exemplo, tem a metade do aquífero necessário para abastecer a população. A metade da necessidade, tanto água de superfície, quanto água de subsolo. Então é uma situação muito grave”, reforçou.

    Otto Alencar chama atenção para a falta de planejamento e execução de ações no sentido de preservação dos rios afluentes do Velho Chico, não só do Governo Federal atual, ou imediatamente anteriores, mas dos demais, porque o problema no caso do rio São Francisco remonta há muito tempo.  

    “A degradação do rio vem de 50 anos para cá. Isso começou na década de 1970. Logo depois dos governos militares, se começou a perceber essa degradação ambiental na bacia do rio São Francisco, que culminou agora com esses desastres ambientais, não em um dos rios afluentes, mas no Rio Doce. Minas Gerais tem muita exploração de minério e esses resíduos líquidos e sólidos são todos jogados dentro no rio. É uma coisa muito ruim para o futuro das populações, tanto nordestinas, quanto no Brasil com um todo”, ressaltou o senador da Bahia.

    Seca na bacia

    A seca é um agravante cíclico no caso da transposição do rio São Francisco. Segundo Otto Alencar, a seca registrada ao longo da história, vem de há muito tempo, desde a época do Império. “Tivemos uma seca que foi descrita com a ‘Seca Noventinha’”, ressaltou.

    O senador lembrou que, em 1897, o então governador da Bahia, Luis Viana, -- pai do Luis Viana Filho, que foi senador--e o presidente da República, Marechal Floriano, juntos destruíram Canudos. Isso depois de uma resistência muito grande de Antonio Conselheiro com seus seguidores, na Guerra de Canudos, que durou de 1896 a 1897, na então comunidade de Canudos, na Bahia.

    Castigo de Deus

    Naquele momento, o governo investiu várias vezes e não conseguiu destruir Canudos. “Aí, nós tivemos a seca que foi de 1897 a 2005. Os sertanejos diziam que foi um castigo que Deus deu porque mataram Conselheiro.Tanto que foi chamada a Seca do Conselheiro. E nessa época o rio Vaza Barris secou, o rio São Francisco você atravessa a pé. E as matas estavam todas preservadas.

    “Agora, imagine, seca cíclica como tem, sem mata ciliar, com as fontes destruídas, com as nascentes destruídas, assoreamento, erosão vai ser um caos”, observou.

    “Boi com sede, bebe lama”

    Otto Alencar costuma dizer que a situação atual de seca o “assusta” por conta da gravidade, porque ele nasceu em região da seca. Ele narra a dificuldade pela busca da água para o gado, ainda quando era pequeno.

    “Eu me criei com o meu pai fazendo cacimba para o gado beber água. A gente limpando a cacimba e o gado colocando a cabeça em baixa da perna da gente para beber água com lama. Tanto é que tem uma música do sertão da Bahia, um forró, que diz assim: ‘boi com sede bebe lama’, por isso. Eu me criei nesse negócio, eu não tenho medo da seca, me salvei da seca, outros amigos meus se salvaram da seca estão aí vivendo até hoje”, recordou Otto Alencar.

    Mas, segundo o senador, naquela época em que trabalhava com o pai tinha mais recursos, mananciais, do que tem hoje. “Hoje não tem mais esses mananciais todos”, frisou. Ele acrescentou que “quem planta árvores poduz água”.

    Ele detalhou a relação entre a árvore e a manutenção da água. “Quando você corta as árvores o solo fica duro, pelo pisoteio dos animais, pela máquina que passa fica duro. Quem dá condição da penetração da água no solo são as raízes das árvores, que alimentam os braços subterrâneos dos, das nascentes. Tecnicamente, chama-se ‘talvegue” os braços subterrâneos. Isso, vem ao longo dos anos se acabando. Eu vejo isso com muita preocupação, um pouquinho de tristeza, angústia”, revelou.

    Mundo de água

    Em tom saudosista, Otto Alencar lembrou que foi “apresentado” ao rio São Francisco com 15 anos de idade. “Achei aquilo um mundo de água. Onde eu nasci tinha rio temporário. Eu olhava e dizia: ‘não é possível que tem tanta água aqui nessa beira do rio’. Hoje, eu volto lá vejo tudo acabado, destruído . então dá uma tristeza uma angústia muito grande”, lamentou.

    Otto Alencar lamentou, novamente, que o Governo Federal não tem visão para enxergar o quanto o projeto é importante para manter o rio São Francisco vivo. “O governo não consegue enxergar. O governo tem 13, 14 meses querendo se salvar do impeachment, não tem outro problema. O primeiro projeto é se salvar, para depois ver o que acontece, infelizmente", completou.  

     (Por Maurício Nogueira, para Agência Política Real. Edição: Genesio Araújo Jr)


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